Casal com alteração no gene da fibrose cística comemora nascimento de filho saudável

Publicado em: 11/05/2018

Equipes do Instituto Ideia Fértil, da Faculdade de Medicina do ABC, conduziram tratamento de reprodução assistida por três anos

 

Viviane Gomes e Damião da Silva levaram o pequeno Davi para conhecer as equipes, em 7 de maio. Na foto, a geneticista Dra. Denise Christofolini

Equipes do Instituto Ideia Fértil, organização sem fins lucrativos ligada à Faculdade de Medicina do ABC, participaram nos últimos três anos de uma importante batalha pela vida que terminou com final feliz e histórico. O serviço, ligado à disciplina de Saúde Sexual, Reprodutiva e Genética Populacional da FMABC, é referência nacional em tratamentos de reprodução assistida para pacientes com problemas de fertilidade e doenças hereditárias.

A fibrose cística — doença genética rara e de difícil tratamento, também conhecida como mucoviscidose — provoca acúmulo de grossas camadas de secreção especialmente nos pulmões e no trato digestivo, gerando obstruções e espaços onde bactérias podem se proliferar. É causada pela alteração no gene que faz o transporte de íons pelas membranas das células. Essa alteração faz com que as substâncias produzidas pelas glândulas exócrinas, como muco, suor, lágrimas e sucos digestivos, se tornem mais espessas, o que dificulta a eliminação e favorece a criação de processos inflamatórios e infecções.

Por ser uma condição autossômica recessiva (se manifesta quando as duas cópias do gene estão alteradas), é possível ser portador de uma mutação do gene e nunca manifestar a doença. É o que ocorre com o casal Viviane Oliveira Gomes, 28 anos, e Damião Monteiro da Silva, 29 anos, de São Bernardo. No entanto, quando pai e mãe apresentam a mutação no gene que causa a doença, há risco de 25% de gerar bebês com a condição. Desta forma, a criança certamente manifestará os sintomas nos primeiros meses de vida.

Ambos perderam dois filhos recém-nascidos por conta da patologia, que compromete gravemente as funções respiratórias, pancreáticas e digestivas. Ana Beatriz sobreviveu seis meses. Já Gustavo, apenas 18 dias. Os sintomas principais são pneumonias e bronquites frequentes, suor salgado, pouco crescimento e baixo ganho de peso, obstrução intestinal grave e icterícia.

O casal, então, decidiu procurar tratamento em busca do sonho de gerar um filho saudável. O que até 2015 era apenas uma remota expectativa, em 2018 tornou-se realidade: o pequeno Davi veio ao mundo em 20 de março, livre da doença, após tratamento de fertilização in vitro — associado à investigação genética dos embriões —, além de quatro transferências embrionárias. Entre frustrações e esperanças renovadas, o processo levou três anos. 

Durante o período Viviane recebeu cuidados especiais para preparo do endométrio (membrana interna que reveste o útero) e foi submetida a um longo tratamento medicamentoso. “É uma condição rara. Foi o primeiro caso que atendemos dessa natureza no Instituto. A cada gestação por métodos naturais a chance de repetir o diagnóstico da fibrose cística no bebê é de 25%. Por isso, investigamos a mutação genética do casal e indicamos o tratamento de reprodução assistida com avaliação genética dos embriões. Hoje, ver esse bebê com vida e saudável é seguramente nossa maior recompensa”, disse Dra. Denise Christofolini, uma das geneticistas que acompanhou o tratamento. A especialista também é coordenadora do Laboratório de Genética do Instituto Ideia Fértil e docente da FMABC.

ETAPAS DO TRATAMENTO

O casal chegou ao Instituto Ideia Fértil em 2015. Foi assistido pelas geneticistas Denise Christofolini e Bianca Alves Bianco, além de ginecologistas. Foram providenciados exames e um rigoroso estudo genético dos pais e dos avós para identificar a origem do gene portador da doença. Na sequência, teve início a punção dos óvulos e a coleta do sêmen para formar os embriões, posteriormente mantidos em laboratório por cinco dias até atingir a fase de blastocisto. Neste estágio são retiradas algumas células de cada embrião para biópsia e análise.

Na sequência, os materiais são encaminhados para realização do Diagnóstico Genético Pré-Implantacional, conhecido como PGD, ou Pre-Implantation Genetic Diagnosis. O objetivo é avaliar a saúde genética dos embriões para identificar possíveis doenças hereditárias.

Com a ginecologista e especialista em Reprodução Humana do Instituto, Dra. Mariana Alves Parente Barbosa

Esse processo foi realizado em seis embriões, dois quais cinco estavam livres da doença. Apenas na última transferência a gestação foi concebida com a segurança de que a criança não portava o gene da fibrose cística. A paciente permaneceu assistida pelas equipes durante os primeiros três meses de gravidez e depois liberada para realização do pré-natal normalmente.

Como forma de agradecer a dedicação e cuidado recebidos, Viviane levou o pequeno Davi para conhecer toda a equipe que ajudou a trazê-lo ao mundo com saúde. A visita ocorreu dia 7 de maio. Emocionada, a paciente relembra a trajetória. “Soubemos do problema quando minha primeira filha nasceu, mas tínhamos esperança de cura, por mais que os médicos dissessem o contrário. Na segunda vez, como ainda havia 75% de chance de a criança nascer saudável, tentamos novamente. Mas, infelizmente ele também nasceu com a doença e logo faleceu por infecção generalizada. A partir daí resolvemos procurar tratamento. Foi um milagre e uma longa batalha. Muitas vezes íamos embora desanimados, mas a equipe é incrível e sempre nos encorajou. Lembraremos para sempre de todo o carinho e dedicação que recebemos durante o tratamento”, disse a paciente.

No Brasil, o Ministério da Saúde estima que a incidência média da fibrose cística seja de um caso a cada 10 mil. É considerada a doença genética mais prevalente no mundo e exige dos pacientes uso regular de antibióticos e fisioterapia respiratória. O diagnóstico precoce (disponível no teste do pezinho) e os avanços no tratamento especializado trouxeram, nos últimos anos, ganho expressivo de sobrevida e maior qualidade de vida aos pacientes. A taxa de sobrevivência, no entanto, é considerada mínima após os 40 anos.

INSTITUTO IDEIA FÉRTIL

Criado em 2010, o Instituto Ideia Fértil é presidido pelo professor titular de Saúde Sexual, Reprodutiva e Genética Populacional da FMABC, Dr. Caio Parente Barbosa. O local realiza consultas, exames, inseminações artificiais e procedimentos cirúrgicos. O objetivo é oferecer tratamentos de fertilidade a um custo acessível, que pode ser até 70% menor do que os valores cobrados por clínicas particulares.

Trata-se do serviço universitário com maior volume de procedimentos do País. Cerca de 4 mil bebês já vieram ao mundo graças ao trabalho desenvolvido na FMABC. Por mês, são realizados mais de 300 ciclos de reprodução assistida junto a pacientes com câncer, portadores de HIV, hepatites e doenças genéticas raras.

A unidade conta com 120 colaboradores entre recepcionistas, pessoal de limpeza, médicos, enfermeiros, psicólogos, auxiliares de enfermagem, biomédicos, biólogos, nutricionista, pesquisadores, pós-graduandos, residentes, alunos de iniciação científica e pessoal administrativo.

Para passar em atendimento, o contato deve ser via telefone (11) 4433-2830 ou pelo e-mail agendesuaconsulta@ideiafertil.com.br. Os atendimentos ocorrem de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, no campus da Faculdade de Medicina do ABC (Av. Lauro Gomes, 2000, Vila Sacadura Cabral, Santo André – SP).