Divulgação pública de casos de hipotireoidismo primário beneficiou população da região do ABC

Publicado em: 10/02/2017

Pesquisadores da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) e da Universidade de São Paulo (USP) acabam de escrever novo capítulo na história de mais de 25 anos de estudos sobre a relação entre a poluição e o aumento acentuado de casos de tireoidite nas divisas entre Santo André, Mauá e São Paulo – região onde estão instaladas diversas indústrias do segmento petroquímico. Acaba de ser publicado na revista suíça International Journal of Environmental Research and Public Health artigo sobre a temática, revelando que a divulgação pública do aumento de casos de hipotireoidismo primário na região estudada permitiu que população local buscasse auxílio médico precocemente.

A professora de Endocrinologia da FMABC, Dra. Maria Angela Zaccarelli Marino

A partir de observação empírica da grande quantidade de casos de tireoidite crônica autoimune na região do polo petroquímico, a professora de Endocrinologia da FMABC, Dra. Maria Angela Zaccarelli Marino, deu início em 1989 à pesquisa com moradores da localidade. Os pacientes estudados foram acompanhados a partir de consultas médicas, exames laboratoriais de sangue com dosagens dos hormônios tireoidianos e ultrassonografia da tireoide.

De 1989 a 2004, 6.306 homens e mulheres entre 5 e 78 anos foram avaliados. Os pacientes foram divididos em 2 grupos segundo o local de moradia. Na região próxima ao parque industrial petroquímico estavam 3.356 pacientes do grupo 1. Já o grupo 2 foi composto por 2.950 de região predominantemente residencial – ou seja, afastada de área industrial –, nas divisas entre São Caetano, Santo André e São Bernardo.

Os resultados foram alarmantes. “Registramos na região que concentra as indústrias petroquímicas 5 vezes mais casos de tireoidite crônica autoimune do que na área residencial”, afirma Dra. Maria Angela Zaccarelli Marino, que em 2012 publicou artigo em um dos mais conceituados periódicos científicos do mundo – o Journal of Clinical Immunology – com os resultados do trabalho, sugerindo nova denominação para a doença: a tireoidite química autoimune – ou seja, a tireoidite desencadeada por agentes químicos presentes na poluição.

PUBLICAÇÃO SUÍÇA

Desta vez, com apoio dos pesquisadores da USP, Carmen Saldiva André e Julio Singer, a docente da FMABC publicou artigo no periódico suíço International Journal of Environmental Research and Public Health, pelo qual avalia o impacto da divulgação pública do número anormal de casos de hipotireoidismo primário e o efeito dessa divulgação na frequência de pacientes que procuraram avaliação médica para doenças endocrinológicas.

Sob o título “Overt Primary Hypothyroidism in an Industrial Area in São Paulo, Brazil: The Impact of Public Disclosure”, o trabalho considerou os primeiros 15 anos do estudo e dividiu esse período em dois momentos: de 1989 a 2001 e de 2002 a 2004. Essas datas foram determinadas, pois, em 2002, o problema detectado na região foi notificado às autoridades de saúde pública e teve ampla divulgação na mídia regional e nacional, quando dados alarmantes foram expostos a toda a população.

“A frequência de pacientes com o mesmo diagnóstico aumentou consideravelmente entre 2002 e 2004, ou seja, após a divulgação pública do problema. À época, a veiculação dos dados contou com participação das secretarias de Saúde da Capital e do Estado de São Paulo, assim como da Fundação Nacional de Saúde, a Funasa”, detalha Dra. Maria Angela Zaccarelli Marino, que completa: “Concluímos que viver no ambiente de um complexo petroquímico pode ser um fator de risco importante tanto para adultos quanto para crianças no que diz respeito ao desenvolvimento do hipotireoidismo primário. A divulgação pública desse fator de risco contribuiu muito para a conscientização do problema e possibilitou a busca pelo diagnóstico precoce, dada a característica insidiosa da doença”.

A partir dos resultados, os pesquisadores recomendam que funcionários de fábricas de produtos químicos, bem como moradores de regiões próximas a áreas industriais, busquem assistência especializada e avaliem periodicamente o funcionamento da glândula tireoide.