Publicado em: 08/06/2018
Professoras do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina do ABC, Dra. Neusa Wandalsen e Dra. Roseli Sarni participaram da revisão e atualização do novo Consenso Brasileiro de Alergia Alimentar 2018, publicado em abril pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai). O material contou com a colaboração de mais de 20 especialistas de todo o País envolvidos no manejo da doença, que acomete especialmente crianças e adolescentes. O último documento foi publicado em 2007.
O consenso foi produzido por alergologistas, gastroenterologistas, nutrólogos e pediatras especializados no tratamento de pacientes com alergia alimentar. O objetivo é disponibilizar aos especialistas um documento prático, capaz de auxiliar na compreensão dos mecanismos envolvidos na alergia alimentar e possibilitar manejo adequado das suas diversas formas de apresentação, uma vez que há grandes variedades de sintomas. Revisão de métodos de diagnósticos, esquemas de tratamentos disponíveis, novos conceitos sobre abordagem terapêutica, apresentação clínica e fatores de risco também foram estudados.
ALERGIA ALIMENTAR
As alergias alimentares ocorrem quando o sistema imunológico reage a algumas proteínas presentes nos alimentos por considerá-las elementos estranhos. O organismo, em alerta, inicia a produção de anticorpos específicos (IgE) para combater a “invasão”, o que desencadeia um processo alérgico.
Um dos pontos principais revisados no documento diz respeito à alergia à proteína do leite de vaca (APLV), muito comum entre o primeiro e o terceiro ano de vida. Isso porque a entrada da proteína em um organismo com sistema imunológico em formação pode ser considerada pelo corpo como algo nocivo, por isso a chance de desenvolver esse tipo de alergia é maior em crianças se comparada a adultos.
A introdução precoce do leite de vaca – bem como do ovo, amendoim, castanhas e frutos do mar – era considerada fator de risco à saúde e capaz de induzir o desenvolvimento de alergia alimentar. “Na atualidade isso é visto como uma ação oposta. Ou seja, a exclusão por tempo prolongado de alimentos com potencial alergênico pode ser fator de risco porque não haveria a indução da tolerância oral. A maior diversidade de alimentos na infância pode ter efeito protetor sobre a sensibilização alimentar. O assunto, no entanto, não está completamente estabelecido e ainda necessita de estudos adicionais”, explica Dra. Neusa, também coordenadora do Setor de Alergia e Imunologia Clínica do Departamento de Pediatria da FMABC.
Em função dos inúmeros benefícios à saúde materna e infantil, o novo consenso recomenda, portanto, a manutenção da norma da Organização Mundial da Saúde (OMS), que estipula o leite materno como fonte de amamentação exclusiva até os seis meses e de forma complementar até dois anos ou mais.
A alergia à proteína do leite da vaca é a mais prevalente entre crianças, que manifestam sintomas clínicos em diferentes níveis de gravidade. Os indícios mais comuns são cólicas, diarreia, vômitos e manchas avermelhadas na pele. Para diagnosticar as alergias alimentares, os métodos mais eficazes são os que demonstram a presença da IgE específica para o alimento na pele, como os testes cutâneos, ou no sangue, o Immunocap/Rast, e principalmente o teste de provocação oral, que consiste na oferta do alimento suspeito em intervalos regulares.
Segundo o Consenso, embora mais de 170 alimentos tenham sido reconhecidos como potencialmente alergênicos, uma pequena parcela tem sido responsabilizada pela maioria das reações. Entre os adultos, os alimentos mais identificados são amendoim, castanhas, peixe e frutos do mar. Na infância, causam mais alergias alimentares o leite de vaca, ovo, trigo e soja. Em geral, essas reações são transitórias, uma vez que menos de 10% dos casos persistem até a vida adulta. “Em caso de suspeita, os pais devem consultar o médico e nunca excluir alimentos por conta própria. O paciente que apresenta reação a determinado alimento pode voltar um dia a ingeri-lo, pois ocorre aquisição de tolerância ao longo do tempo. Uma vez identificada a alergia, o alimento deverá ser retirado e sua introdução feita sob supervisão médica por meio de testes de provocação oral”, explica Dra. Roseli, professora titular da disciplina de Clínica Pediátrica do Departamento de Pediatria da FMABC. A reintrodução alimentar, sempre com acompanhamento médico, pode ser feita a cada 6 a 12 meses como forma de verificar se houve alterações a essa condição.
Os sintomas da alergia alimentar variam bastante. Nas reações cutâneas, são comuns surgimento de urticária, angioedema e dermatite atópica, enquanto que nas respiratórias há quadros de rinite ou asma. Nas alergias digestivas prevalecem refluxos, vômitos e diarreias. O tratamento é feito à base de anti-histamínicos e corticoides. Em casos mais graves é preciso atendimento médico de urgência para reversão do quadro de choque anafilático, causado pela falta de sangue no coração após brusca queda da pressão arterial. O paciente sente imediato “fechamento” da garganta e obstrução das vias aéreas, o que pode levar à morte em minutos.
PREVALÊNCIA
Os especialistas consideram a alergia alimentar um problema de saúde pública, pois sua prevalência tem aumentado no mundo todo. Um estudo realizado em Boston, nos Estados Unidos, avaliou dados sobre reações adversas a alimentos em 27 milhões de pacientes entre 2000 e 2013. Ao menos 3% apresentaram alergia a algum alimento. No Brasil, de acordo com o Consenso, os dados sobre prevalência são escassos e limitados a grupos populacionais, o que dificulta avaliação mais próxima da realidade.